Evento
SÁBADO 12 NOVEMBRO, 21H30
Hamid Drake’s Turiya: Honoring Alice Coltrane
Ndoho Ange dança, spoken words
Sheila Maurice-Grey trompete, vocais
Jan Bang eletrónicas
Jamie Saft piano, teclado, fender rhodes
Pasquale Mirra vibrafone, percussões
Brad Jones contrabaixo, guembri
Hamid Drake bateria, percussão, vocais
Fotografia ©Žiga Koritnik
Em tempos recentes, tornou-se mais frequente do que no passado ouvirmos diagnósticos de uma crise de espiritualidade no mundo ocidental; hoje, em muitos níveis, essa mesma crise parece, independentemente das causas que lhe possamos atribuir, plenamente instalada e evidente. Ao mesmo tempo, porém, tal como habitualmente acontece em fenómenos desta natureza, assistimos em paralelo nas diversas dimensões do mundo contemporâneo a um contramovimento de retorno a uma procura de significados mais profundos do que os que governam o mundo do não-transcendente. O facto de o legado musical de Alice Coltrane ter permanecido no nosso imaginário coletivo e ser hoje mais admirada e ouvida do que no seu próprio tempo talvez seja um dos sintomas dessa necessidade de reencontro com uma arte aspirante a patamares elevados de consciência. É, por isso, com júbilo que apresentamos nesta edição do Guimarães Jazz o espetáculo “Turiya: Honoring Alice Coltrane”, conceptualizado e liderado pelo notável percussionista e improvisador Hamid Drake, praticante de uma música espiritual em plena sintonia com o espírito da grande harpista norte-americana que, em na ao lado do seu companheiro de vida e de criação artística John Coltrane, contribuiu decisivamente para moldar o jazz nas suas vidas posteriores.
Ao fim de quase cinquenta de anos de intensa atividade criativa, Hamid Drake é atualmente considerado um dos mais importantes músicos de jazz e improvisadores da música contemporânea, um estatuto que alcançou em virtude não apenas do seu extraordinário virtuosismo técnico, mas também de uma identidade musical, ao mesmo tempo intelectualmente sofisticada e espiritual, em que o groove e a polirritmia convivem em coexistência pacífica. Na base desta identidade estão os princípios matriciais (estéticos e éticos) do free jazz, o seu meio de expressão original e do qual é considerado um dos mais distintos seguidores, expandidos e sublimados pela incorporação de elementos de inúmeras proveniências musicais e culturais (percussão afro-cubana, música indiana, reggae, entre outras). Hamid Drake iniciou o seu percurso na música sob a influência dos seus mentores iniciais, Fred Anderson e Don Cherry, que o apresentaram ao circuito jazzístico de Chicago, cidade que durante esse período era energizada pelos músicos envolvidos na revolucionária AACM. Desde então, o baterista e percussionista tem construído um percurso criativo notável materializado numa discografia extensa e numa atividade praticamente incessante de colaboração com alguns dos nomes mais importantes do jazz contemporâneo, desde figuras históricas como Pharoah Sanders e Archie Shepp, até figuras cruciais da paisagem musical pós-milenar como Ken Vandermark ou a banda de John Zorn, Painkiller. De entre todas as manifestações de uma obra diversificada e desafiante, devemos, no entanto, destacar as relações de longo-curso e cumplicidade artística de Drake com o contrabaixista William Parker, o saxofonista Peter Brötzmann, o baterista Michael Zerang (com quem desde 1991 Drake organiza anualmente um concerto de celebração do solstício de inverno) e, mais recentemente, com o trio de rock avant-garde Mako Sica. A homenagem de Hamid Drake à música de Alice Coltrane, consubstanciada em sessões mágicas como as captadas no álbum “Journey in Satchidananda” ou “Universal Conscience”, envolve um ensemble instrumentalmente invulgar e eclético composto por músicos europeus e norte-americanos, expandido pelo contributo performático e as palavras da dançarina Ndoho Ange. Neste espetáculo, em que se consuma o encontro entre dois exploradores importantes da dimensão interior da música e suas potencialidades espiritualmente transformativas, espera-se a transfiguração da obra de uma artista imortal através dos sons imaginados, necessariamente diferentes dos originais, por um grupo de músicos que generosamente se dispõe a ser um dos seus veículos de perpetuação no tempo.